segunda-feira, 8 de agosto de 2011

É SEMPRE BOM LEMBRAR

- Maurício Siaines

Na última quinta-feira, 4 de agosto, os corredores da política em Brasília estiveram movimentados pela expectativa da demissão do ministro da Defesa Nelson Jobim, que teria declarado à revista Piauí ter votado em José Serra (PSDB) nas eleições de 2010, além de fazer comentários ofensivos à ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, e à ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann. E toda a onda aconteceu antes da revista chegar às bancas. Os acontecimentos sugerem a existência de uma intenção “oculta” de transformar o episódio em uma crise maior, deflagrando tensões entre os militares e o governo, em uma reedição de antigos conflitos que se repetiram desde a instituição do regime republicano, em 1889, até o início da vigência da Constituição de 1988.
A república trouxe mudanças na vida social e política brasileira e entre elas um novo personagem a agir politicamente, o Exército. Este acabou se tornando alvo da bajulação de figuras da política chamadas de “vivandeiras”, por analogia às mulheres que acompanhavam a tropa por onde ela se deslocasse, oferecendo serviços aos soldados. A Guerra de Canudos (1896-1897) mobilizou muitas vivandeiras, dado o grande número de soldados e ao fato de ser um conflito doméstico.
Com o passar do tempo, o ofício de vivandeira política se desenvolveu e uma de suas mais trágicas conquistas foi o golpe militar de 1964, insuflado por políticos civis, apoiado pela quase unanimidade dos barões da mídia. O golpe de 64 já vinha sendo urdido desde 1954, pelo menos, quando houve grande mobilização das elites pela deposição de Getúlio Vargas. Essas forças golpistas continuaram a se articular no ano seguinte, durante a campanha eleitoral que levou Juscelino Kubitscheck à Presidência da República. Dizia Carlos Lacerda — então deputado federal e futuro governador do Estado da Guanabara, que viria a ser criado na cidade do Rio de Janeiro — que Juscelino não poderia ser eleito, se fosse eleito, não poderia tomar posse e, se tomasse posse, não poderia governar. Mais golpista do que isto, impossível. E Lacerda foi uma das principais vivandeiras políticas do regime de 1964, até ter seus direitos políticos cassados, em 1968.
A reorganização democrática marcada pela Constituição de 1988 redefiniu o papel dos militares no Estado brasileiro. Em 10 de junho de 1999, durante o segundo governo de Fernando Henrique Cardoso, foi criado o Ministério da Defesa, que passou a subordinar os comandos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Esta alteração administrativa representava a diminuição formal do poder político dos militares, uma vez que deixaram de existir suas representações no governo sob a forma de ministérios. As vivandeiras não gostam desta nova realidade.
No dia 23 de setembro de 2010, às vésperas das eleições, os jornalistas Merval Pereira, do jornal O Globo, e Reinaldo Azevedo, da revista Veja, além de Rodolfo Machado Moura, diretor de assuntos legais da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) proferiram palestras no Clube Militar com o título A democracia ameaçada: restrições à liberdade de imprensa. A entidade, além de um clube social dos oficiais do Exército, tem sido uma espécie de fórum legitimador de tendências políticas, entre elas as que levaram ao golpe de 1964, com todo o cerceamento das liberdades, inclusive a de expressão. Estaria sendo ensaiado aí o renascimento das vivandeiras? Curiosa, no mínimo, a escolha do local da palestra.


- Maurício Siaines é jornalista e Mestre em Sociologia

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