quinta-feira, 29 de setembro de 2011

44º FESTIVAL DE BRASÍLIA DO CINEMA BRASILEIRO

Tratar de temas tão pesados como tortura, passado de guerrilha e embates com a ditadura em um encontro de amor. A cineasta paulistana Tata Amaral ousou nessa mistura de sentimentos em seu quarto longa-metragem, Hoje, que foi exibido nesta quitna-feira, 29 de setembro, no 44º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.
O filme, que só deve chegar aos cinemas no próximo ano, conta a história da ex-militante Vera, interpretada por Denise Fraga. Ela recebe uma indenização do governo pelo desaparecimento do companheiro, interpretado pelo ator uruguaio Cesar Troncoso, de O Banheiro do Papa. Com a indenização, Vera compra um apartamento e, durante a mudança, o marido reaparece.
É nesse apartamento que os sentimentos se misturam: o de mudança e o de volta ao passado. O amor, a revolta e a tristeza pelas torturas vividas na ditadura.
- "A síntese do filme, na verdade, é essa. Ela não quer lembrar. Mas para ela seguir em frente é obrigada a lembrar. Isso tem a ver com nós, brasileiros, de certa forma. A gente não quer se lembrar do nosso passado, no qual pessoas eram torturadas por seus ideiais. A gente quer esquecer. A gente anistiou a todos.", observa a diretora.
Tata dirigiu filmes como Um Céu de Estrelas, Através da Janela e Antônia. Esse último se desdobrou em uma série para televisão. Ela comenta que Hoje talvez seja seu filme mais intimista.
- "Ele até dialoga com Um Céu de Estrelas e Através da Janela. Antônia foi um filme mais feito para a rua.", compara.
- "Hoje é um encontro de amor e é um filme de muita sutileza. O filme se passa em um apartamento e tem um certo suspense sobre o que está acontecendo ali. Esse é um primeiro sentimento. Depois, tem um sentimento de emoção, de recusa. As personagens não querem se lembrar do passado. Há essa figura que volta aí, meio ameaçadora. Há uma confusão muito grande de sentimentos.", destaca.
São exatamente os sentimentos opostos e os vestígios dos anos duros no Brasil que dão atualidade ao filme. Em um tempo em que ainda se discute a criação de uma Comissão da Verdade para apurar crimes de tortura cometidos durante a ditadura, em que há um apelo pela abertura mais ampla dos arquivos desse período, Hoje propõe um contato face a face com a tortura.
- "Há um personagem que é um ex-guerrilheiro, que ele fala, ele diz: nós fomos todos torturados, presos ou mortos por nossos crimes de guerrilha, de lutar por nosso ideal ou mesmo pelo crime de guerrilha. Mas não há nenhum torturador que tenha ficado um segundo sequer na cadeia. São questões do passado, mas que ainda são muito atuais. Por isso, o filme se chama Hoje. Na verdade, o Brasil não resolveu seus problemas.", pondera Tata.
Apesar de apontar o sentimento quase coletivo de tentar esquecer o período da ditadura, Tata Amaral chama a atenção para a importância de encarar o problema da lembrança de frente.
- "Eu acho que a gente não deve esquecer nunca. O que se deve fazer é resolver. Se a gente só esquecer, não adianta, porque volta. Só funciona por um tempo, depois volta. Tanto é que, até hoje, se tortura no Brasil.".
E completa:
- "Até hoje o Brasil pratica tortura nas prisões. Não como antes, mas é tortura contra pobre, contra negros, contra pessoas que a polícia acha que são bandidos.".

Atores de Hoje defendem que crimes da ditadura não caiam no esquecimento

José Dirceu participou do 44º Festival de Brasília do Cinema

Em meio à discussão no Congresso Nacional sobre a criação da Comissão da Verdade, um dos pontos polêmicos do Plano Nacional de Direitos Humanos, o filme Hoje, de Tata Amaral.
A Comissão da Verdade foi aprovada na Câmara no dia 21 de setembro e está no Senado aguardando para ser votada. Grupos que apoiaram a ditadura classificaram como "revanchismo" a iniciativa, proposta no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O filme vai na direção contrária. O longa-metragem lança luz sobre o que se passou nos porões da ditadura para que o país possa debater e cicatrizar as feridas dos passado.
A atriz Denise Fraga vive o papel de Vera, uma ex-militante política, no filme. Em entrevista, ela defendeu a necessidade de se lembrar do passado.
Para a atriz, não se deve ficar remoendo o passado, mas também não dá para esquecer as atrocidades da ditadura.
- “Não dá para simplesmente fechar o baú. Além disso, é necessário ter acesso à história. Não dá para trancar a história, ter um parente desaparecido e não ter direito de saber o que aconteceu com ele.”.
Denise Fraga disse que Vera, pela profusão de sentimentos, foi uma das personagens mais complexas que já interpretou.
- "Talvez seja a mais complexa personagem que eu tenha feito. É um filme cheio de camadas de sentimentos. Vera é uma ex-militante política, que passou por tortura, teve o marido desaparecido e está tentando se refazer. O filme ajuda a gente a ver, rever e pensar sobre as pessoas que passaram por esse período de ditadura.”.
O ator uruguaio Cesar Troncoso contou que em seu país ainda paira a mesma falta de acesso a informações sobre os crimes da ditadura militar.
Na sua opinião, Hoje não estimula a remoer o passado, mas oferece uma oportunidade de "construir um futuro" sem os mesmos erros.
- "Quando há uma coisa terrível em sua vida, não dá para esquecê-la. Lembrar não significa olhar para trás e sim olhar adiante. Eu tenho uma filha de 13 anos. Quando ela tiver 20 anos, as pessoas podem querer repetir o que já foi feito e ela precisará saber o que não se pode aceitar.".
Troncoso deu uma interpretação introspectiva à sua personagem no filme. Recorreu pouco às palavras, mas com uma expressividade que passa o peso do sofrimento de quem foi torturado.
- "Para mim, a importância das coisas está no olhar, está no silêncio.", destacou Troncoso.
- "O silêncio tem a possibilidade de ser uma coisa muito pesada. Um filme como Hoje, que tem tanta sensibilidade, tem muita coisa que não são ditas, mas estão ali. Não sei se isso vai ser dito no filme, espero que sim. É um filme de olhares.”.

- Com Abr

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